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 RUÍNAIDO

INTERAÇÕES ENTRE ARTE E ROCK 

PPG-AV ECA/USP 2020

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Poeira original, 2020, 4’12”, agrega fragmentos sonoros de uma caminhada feita sobre um terreno arenoso, uma gravação do rumor atmosférico num deserto qualquer e ruídos brancos. No desenrolar da trilha foram desenhadas linhas de automação para modificar parâmetros em um delay ping-pong fora de compasso. Como consequência, temos esse lugar no qual qualquer ação concreta parece se desfazer.

Brasília completou 60 anos neste ano: momento dramático no qual estamos mergulhados numa pandemia que nos lançou no caos sanitário e exacerbou nossas crises social e econômica.

Todas aquelas promessas de futuro incutidas no monumental projeto de Lúcio Costa hoje soam estranhas para nós, como ingênuas miragens das quais só restaram as ruínas e ruídos. 

O aniversário de Brasília parece, por isso mesmo, ecoar de modo eloquente nossos fracassos, expondo toda a fragilidade das fábulas de grandeza que de tempos em tempos insistimos em forjar por aqui.

 

Lorenzo Mammì (2012) escreve sobre essa possibilidade de entender a capital enquanto uma relíquia postiça na qual depositamos sentimentos de nostalgia sobre coisas que nunca aconteceram:

Brasília é nossa ruína, tão essencial para nós quanto as ruínas astecas são para os mexicanos. Como as ruínas, em outros países, representam a saudade do que se perdeu, ela fornece à cultura brasileira um de seus traços fundamentais: a saudade do que ainda não é.

As três peças sonoras aqui presentes (Poeira Original, 60 Ecos e Ruínas) são o resultado da tentativa de refletir a respeito dos escombros de Brasília, para, de alguma maneira, trazer à tona os fantasmas que ainda perambulam no interior dos palácios de Niemeyer.

Fruto duma parceria entre os artistas Renato Castanhari e Caio Guedes, esses trabalhos sonoros são também o resultado direto dos estudos desenvolvidos ao longo do curso Interações entre Arte e Rock , ministrado no segundo semestre de 2020, pelo professor Mario Ramiro no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da USP.

As discussões acerca do caráter mais experimental do áudio no âmbito das artes visuais foram fonte de inspiração para a realização deste projeto.

 

Destaco as experiências no campo da música, feitas por movimentos vanguardistas do início do século passado como o futurismo de Felippo Tommaso Marinetti (1909).

 

Entre elas, temos os barulhentos instrumentos de Luigi Russolo, chamados de intonarumori  (1913), que possibilitaram explorar o potencial do som como elemento central duma investigação artística.


Outro momento relevante, já nos anos 1960, são os concertos de John Cage baseados em ruídos do cotidiano, estruturas rítmicas improvisadas e áudios indeterminados que compõem a ação Water Walk, realizada em 1960 no programa de auditório I’ve got a secret, do canal norte-americano CBS.

 

Ruína/do são trabalhos sonoros que se aproximam conceitualmente dessas obras realizadas por Russolo e Cage, já que, da mesma forma, pretendem encarar o som a partir duma perspectiva mais experimental e intuitiva que desconsidera normas musicais preestabelecidas.

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60 Ecos, 2020, 25’23”, é uma peça sonora baseada no tema de abertura do programa de rádio estatal A voz do Brasil (o mais antigo do rádio brasileiro, criado em 1935 durante o governo de Getúlio Vargas). O tema é o trecho inicial da ópera O Guarani, do compositor Antônio Carlos Gomes (1870), inspirada no romance homônimo do escritor José de Alencar (1857). São sessenta repetições seguidas do tema que fazem referências ao aniversário de 60 anos de Brasília. Ao longo dos seus 25 minutos de duração, o tema em looping sofre distorções variadas, sendo gradualmente corroído, restando, ao final, pura estática.

Sergio Freire (2004), em Uma arte sonora absoluta, que não se chama música, segundo Kurt Weill (1925), relata os esforços do compositor francês Pierre Schaeffer (1995) em abrir caminhos que levassem do concreto ao abstrato sonoro. 60 Ecos (2020) parece caminhar nessa mesma direção: partindo dum registro musical reconhecível em direção a uma condição de entropia: de degradação sonora irreversível.

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Ruínas, 2020, 2’51”, é uma miscelânea de ruídos: são sons de tempestades, explosões e estruturas colapsando. O procedimento foi fragmentar os áudios e comprimir exageradamente seus volumes, saturando cada uma das frequências para trazer à tona outros coloridos sônicos. O cenário que se pinta é distópico: é como mirar o fim do mundo onde tudo se despedaça e morre.

REFERÊNCIAS

 

FREIRE, Sergio. Uma arte sonora absoluta, que não se chama música, segundo Kurt Weill (1925). Porto Alegre: Em Pauta, 2004.

KAHN, Douglas. Noise, water, meat: a history of sound in the art, Londres: MIT Press, 2001.

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado, trad.: Elizabeth Carbone Baez. Rio de Janeiro, 1984.

MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

RUSCH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea, trad.: Cássia Maria Nasser. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

SEIFFARTH, Carsten e STEFFENS, Markus. Singuhr – Hoergalerien in parochial – sound art in Berlin. Berlin: Kehrer, 2009.

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